domingo, dezembro 10, 2006

"o fim do princípio"



Viu-a, na rua mais rápida da cidade. Naquele momento, teve a plena consciência que o curso da sua vida fora irremediavelmente alterado. Para melhor ou para pior? Não sabia. Ninguém o poderia ainda dizer com toda a certeza.

Talvez tivesse sido o brilho espelhado dos seus sedosos cabelos soltos cor de chocolate, ou o nariz pequeno e perfeito, ou as mãos finas e longas, ou talvez a boca que iluminaria a face ainda um pouco infantil com um sorriso radiante... ou talvez tivessem sido os penetrantes olhos castanho-avelã. Talvez.

Deparou-se com a “deusa” quando ela estava ainda de costas. Provavelmente, existe mesmo um sexto sentido, uma intuição que nos alerta quando somos observados. O que é certo é que ela, num repente, voltou-se para trás e, surpreendida, fixou os olhos naquele que, descaradamente e sem pedir licença, não despregava dela o olhar. Primeiro, com uma surpresa que se transformou em fúria pelo possível assédio. Contudo, concluindo que não seria caso disso, a expressão passou a inquiridora: “O que foi? Tenho algum gelado colado na testa?”, traduziam as sobrancelhas arqueadas.

Ele corou. Involuntariamente, subiu-lhe à face láctea um rubor intenso, apanhando-o desprevenido, e que o fez instintivamente levar a mão direita à cara para disfarçar que fora caçado em flagrante pela pergunta. Ela sorriu, reparando no seu embaraço devido ao seu olhar. E sentiu-se bem, desejada, um tudo-nada vaidosa. Achou-se mais atraente, pensou que a camisa cor-de-rosa levemente decotada em meia-lua lhe ficasse melhor do que vira no espelho, de manhã; cuidou que as calças de ganga claras talvez não lhe fizessem, afinal de contas, uma anca de três quilómetros e meio. E considerou o acanhamento do rapaz que a observava quase um elogio.

Estudou-o então com mais interesse, mais atenção, esforçando-se por não deixar que nada lhe escapasse. Se não é todos os dias que recebemos um [pseudo-] elogio, é útil que conheçamos a pessoa de quem parte. E reparou como o rapaz era atraente!! Não atraente do género actor de cinema: bonitão, mas charlatão, convencido de que é o melhor e não há presa do sexo oposto que resista a um sorriso charmoso dos seus. Nada disso, parecia até ignorar o efeito que produzia à sua volta, já que não era só ela (grrrrr) que o perscrutava, e algumas quase o devoravam com os olhos! Parecia indiferente ao mundo, aluado e distraído, apenas contemplando-a, embasbacado.

“Talvez não seja para mim…”, ponderou.

Olhou para trás, e não viu ninguém que pudesse causar tamanha alienação.

“Bem, se calhar… é possível”, e voltou a sorrir.

Concentrou-se novamente nele, e viu-o devolver o sorriso, os olhos verdes a rirem também, os lábios carnudos mostrando ligeiramente os dentes proporcionais ao seu provável metro e oitenta e cinco que deveria, pela aparência, ter. Desta vez, foi a vez dela corar. No entanto, a pele mais escura não deixava transparecer o rubor.

“Será que ele reparou? Deve-me achar uma descarada!”

Nada disso. Ele adorou aquele sorriso quente. Adorou a maneira como os seus olhos se franziram um pouco. E adorou também as suas bochechas brincalhonas, subindo um pouco, acompanhando os seus lábios que se entreabriram. Ui!, mas o sorriso tornou-se levemente embaraçado, deixou de ser sorriso.

“Talvez tenha corado… será que me acha um pervertido?”

Ao mesmo tempo que se assustou com a ideia, sorriu ao pensar no que ela poderia imaginar. Que imagem dele pairaria na sua bela cabeça? Só veria o exterior dele, aquela pseudo-beleza que tanto o atrapalhava quando estava atrasado para as aulas, pois as raparigas atravessavam-se à frente dele, chocavam, ela caía, ele tinha de apanhar os livros dela à maneira de filme… e isto repetido desde que tinha saído do colégio interno, só masculino, onde andara até completar o básico. Ou… Veria para além disso? Veria, nos seus olhos, um ser pensante, com ideias próprias, indiferente à futilidade e à presunção? Mirou-a, um pouco desconfiado, pelo canto do olho.

“Hum…parece que não me está a julgar à primeira. Talvez não.”

E não estava mesmo. Ela reparou que, por detrás daquele físico invejado pelos rapazes que queriam chamar à atenção e pelas raparigas que queriam um amante, se escondia uma alma sensível e carinhosa. Auxiliou uma idosa que tropeçara numa pedrita do passeio, não a deixando cair, e ainda arrancando-lhe uma gargalhada que a fez exclamar:

- Ai, meu rapaz, se eu fosse uns setenta anos mais nova, da idade daquela jeitosa que está do outro lado, nem penses que estavas nessa paragem de autocarro sozinho!- e piscou o olho à rapariga.

Apesar da voz “tipo altifalante” com que a velhota falou, nenhum dos transeuntes que, naquela hora de ponta corriam apressadíssimos para os monótonos locais de trabalho que os faziam ganhar dinheiro para sustentarem as suas monótonas vidas, ninguém reparou no incidente. Só ela, imobilizada, presa ao chão devido à simples presença do rapaz.

“Deve-me achar uma parvinha desesperada! Não descolo daqui!...”

E decidiu-se a abalar dali. Já tocara para o primeiro tempo, com certeza, e ela ali, a olhar para ele, sem o conhecer sequer.

“Mas será que quero sair deste sonho? Quero saber quem ele é!!”

Observou-o. Viu-o a “espiá-la”. Achou piada. Talvez fosse interesse.

“Como adorava saber quem é esta deusa! Como queria sentir a sua mão na minha, os seus lábios a sussurrarem-me ao ouvido… Será que ela também quer?”

Estavam em sintonia. Os seus corações palpitavam em simultâneo, apesar de descompassados. Galopavam no peito, estranhando aquela sensação nunca antes sentida. Pela mente, passavam agora todos os filmes românticos que a que tinham assistido, quase enjoativos e sem imaginação, nos quais se retratava o amor à primeira vista. Como eram pirosos!! E agora, que experimentavam o sentimento, viam que não tinha nada em comum com os filmes! Era muito melhor, muito mais arrebatador, muito mais ardente… Queriam-se tocar, abraçar e, quem sabe, trocar o primeiro beijo verdadeiramente verdadeiro… Só faltava coragem para o passo essencial…

Deu-o ele. Ou ela, não dava para perceber. Fracções de segundo separaram os movimentos. Ou nem isso. E o primeiro passo foi o lançamento para o Paraíso, para o maravilhoso Éden que os esperava. Esqueceram tudo. O onde e o quando, o como e o porquê. Só não se esqueceram um ao outro. Só se tinham um ao outro na cabeça. Continuaram a avançar, perdendo o sentido do que os rodeava. Unicamente permaneceu o amor. Ele estendeu os braços para acolher aquele ser lindo que parecia fazer parte de si desde sempre, e caminhavam ainda mais depressa, cada vez mais rapidamente, mais céleres, cada vez mais um do outro. Naquele enlevo, nem se aperceberam do autocarro. O autocarro que os levaria ao destino. A buzina histérica que começara entretanto a tocar era a harpa dedilhada por algum anjo, os gritos dos transeuntes eram como um coro celestial.

Tocaram-se com a ponta dos dedos. Entrelaçaram-nos, deram as mãos. Nesse preciso momento, o autocarro, sem tempo para travar (os relógios não tinham parado para todos…), embateu neles. Caíram, partidos, esmagados, esfacelados. Com as mãos unidas, apesar de tudo. Ele viu-a piscar os olhos, ela sentiu os dedos mais apertados… havia vida, havia esperança… Então arrastaram-se, movidos pelo desejo, pelo amor, pela paixão…

Conseguiram. Os seus lábios trémulos colaram-se. Experimentaram a felicidade.

Com uma paz imensa invadindo-lhe o corpo e a mente, deixou a cabeça escorregar sobre o peito dela. Ela sentiu, e soltou um último suspiro. Aconchegados, apertaram ainda mais as mãos. Fecharam os olhos, relembrando o momento que mudara as suas vidas. Para melhor, tinham agora a certeza. Estes instantes valeram por todo o tempo do mundo. Nem que tivessem vivido 100 anos. Tudo se resumiria àquilo.

Pensavam na vitória que tinham conseguido. Esperavam vive-la para sempre.

Uma poça de sangue desenhava à volta deles um coração gigante. Não sofriam a dor física, já que a mente estava preenchida de coisas boas como nunca estivera.

Assim, felizes, adormeceram num sono profundo. Nem deram pela ambulância chegar. Para só acordarem no paradisíaco Paraíso.



Nota:
Escrevi-o há uns tempos. Já ouvi algumas críticas, especialmente no que respeita à parte final. Dizem que acaba mal, que o final é triste. Mas não: eles ficam juntos. Onde? Num Paraíso, algures por aí.



Não sei o que vão pensar desta postagem. Foi só por o André ter falado. Ele gosta do texto e tal... Ainda bem. É bom quando lêem o que escrevemos. Obrigadão gajo-que-quase-nunca-se-digna-a-comentar-o-meu-blog-mas-que-finalmente-comentou!!!
eheheh




Opiniões? Quantas venham, são bem-vindas!!

*hazta*

5 comentários:

Anónimo disse...

Eu gostei do texto!

Sim, existe amor à primeira vista e está bem exprimido!

bjinhu* dsc a invasao*

Anónimo disse...

Muito bom o texto... Um final inesperado mas ainda assim muito bom...

Anónimo disse...

Ora aqui temos finalmente um bom texto! Sim senhora, adorei mesmo esta tua história, e ainda estou à espera de uma sequela... ou pelo menos de outra história tão boa como esta. =) Mesmo que o final seja triste, ou que as circunstâncias sejam pouco prováveis, acho que está muito bem escrita. O amor à primeira vista existe mesmo...
Bom... vou continuar a passar por cá e a comentar os teus posts. Pelo menos a ver se mudo de alcunha... =P "Gajo-que-quase-nunca-se-digna-a-comentar-o-meu-blog-mas-que-finalmente-comentou"... LOL

Bjinhos grandes
André

Anónimo disse...

Acredita q o amor à primeira vista existe mesmo e não digo isto por acaso! Eu acerca de dois anos fui 'alvo' desse amor...amor único e que nunca mais vou esquecer...a prova foi que ainda hoje dura..por muito que tenhamos acabado!

Acredita semrpe que o amor pode acontecer de variadissimas formas...porque o amor não tem só uma maneira de se exprimir e tu reflectistes bem isso no texto!!

Já agora obrigada pela visita ao meu flog!:) em principio posto hj outro texto!*

Anónimo disse...

O texto está mesmo muito bom, mostra que não é preciso uito tempo de namoro, muitos anos de casamento, ue não é preciso partilhar uma vida, que não é preciso saber tudo sobre alguem, para sentir amor, para viver o amor.
O fim não podia estar melhor, a história acabou no felizes para sempre, tal cmo a vida das personagens.
Não acabes com o blog só pela sua fraca adesão inicial, pois é um blog que merece ser visitado.
Se possivel visite www.blayer.blogs.sapo.pt